“Desculpa,
estou meia esquecida”. E quem não é um pouco esquecida aos 95 anos de idade?
Alias, quantas pessoas você conhece com 95 anos de idade que tem discernimento
para saber quando está ficando esquecidos? Dona Efigênia Barcelos, ainda jovem
com seus 95 anos é uma dessas pessoas. Com cabelos brancos, mas bem cuidados,
mãos leves e pernas que já não tem mais a mesma força que antigamente – noto
isso ao ajuda-la a se levantar do sofá onde estava para nos mostrar o quarto
onde dorme com mais seis mulheres. Uma frase chama minha atenção logo que entro
no Centro de convivência do idoso, o COP – que para muitos, não é um asilo, mas
sim a sua casa – velhice não é sinônimo de tristeza, doença, problemas. É sim
de alegria, sabedoria e de alguém que tem muito o que ensinar. Isso, ao lado de
um desenho de um grande sorriso desenhado em papel pardo, com uma pequena frase
acima “um upa do cop”.
Dona
Efigênia é viúva. Mas não de seu grande amor. Teve seu casamento arranjado. Sei
pai, quando achou um bom rapaz, trabalhador, obrigou ela a casar-se com ele,
“nos estávamos apaixonados, eu pra ele e ele pra mim. Mas não sei o que
aconteceu, ele casou com outra moça” conta com uma certa saudade nos olhos.
Nesta hora, Jeci, uma das voluntárias que vai até o centro todo sábado pela
manhã para ver os idosos chega, “oi minha princesa, como que você tá?” dando um
abraço levemente apertado e um beijo no rosto que só uma filha daria em sua
mãe, em Alçana, onde na hora está sentada ao lado de Efigênia, que sorri (e um
belo sorriso) gentilmente retribuindo o abraço e o beijo calorosamente.
Efigênia
chegou aqui porque a sobrinha a trouxe, “a Sandra me deixou aqui, mas saiu
chorando” – repetiu isso inúmeras vezes durante a conversa. Por ter criado a
sobrinha, a considera sua filha, já que eu filho morreu ainda jovem de
problemas no estomago, com cerca de 20 anos ou como ela mesma diz, já moço
criado, que ajudava na roçada, lembrando mais tarde, com um certo esforço para
lembrar do nome de Adão Ferreira dos Santos, seu único filho biológico.
A
passos lentos, Efigênia me leva até o quarto, pintado de rosa claro, onde
dorme. Com orgulho, me fala da cama dela, ao lado de uma janela grande. A
cortina entre aberta deixava pouca luz entrar, mas mesmo assim continuava bem
iluminado. O guarda roupa é grande, divido entre as sete mulheres, cada uma com
duas portas e com seus nomes nelas para elas mesmas poderem ir até lá. Já
dentro do quarto, solta seu braço do meu “já consigo ir sozinha a partir daqui,
pode deixar” me ofereço para ajuda-la a descer a rampa que da acesso ao quarto,
mas ela me mostra como faz todos os dias, quando levanta sozinha.
Não
aprendeu a escrever nem a ler. mas na cozinha não fez tanta diferença. Ama
cozinhar e só não faz isso porque não a deixam, “elas dizem que já trabalhei
demais, ai eu fico aqui mesmo.” Cuidava e criou várias crianças, fora seus dois
filhos. Seu marido chegou a trazer uma criança de outra cidade para ela dar de
comer, pois era muito magra “pesava a mesma coisa que uma criança recém
nascida” infelizmente a memória já não a deixa lembrar de mais detalhes.
Quando
saímos do quarto, nos juntamos a outro grupo de senhoras que conversavam com
algumas colegas de faculdade. Por eu ser o único homem junto com elas, acabei
por descobrir um senso de humor incrível, daqueles que nem mesmo o tempo tem o
poder de tirar das pessoas. Tiramos uma foto juntos, e claro, fomos levemente
tachados de namorados, pelas outras senhoras. Jeci, a cuidadora, me conta que
elas tem ciúmes uma das outras.
Levei
cerca de 20 minutos para dizer adeus a todos de lá. A cada abraço, a cada beijo
recebido, um palavra de carinho. Como se fosse seu neto indo ver a avó que a
muito não se encontravam. Dona Efigênia ganho mais um neto. Ou pela idade dela,
até poderia ser um tataraneto. Mas isso não importa. O que importa é que essas
pessoas, mesmo quando eu tiver a idade deles, não saíram da minha cabeça.
Espero pelo menos, estar tão bem mentalmente quando essas pessoas estão hoje,
para contar isso aos meus netos, bisnetos, tataranetos e pra quem mais eu tiver
que contar.